18 de julho de 2011

Guiné-Bissau: O país que teima em fintar o futuro

Após os acontecimentos de 1 de Abril de 2010, escrevi o seguinte texto, que tentava reflectir (de forma simplista talvez, e carregada de revolta com toda a certeza) sobre o que leva que a Guiné-Bissau teime em permanecer sempre, e parece que orgulhosamente, no fundo de qualquer índice de desenvolvimento humano. Nestes dias em que a instabilidade política parece estar de volta, resolvi ir buscar novamente as causas que me tinham vindo à cabeça na altura, com o objectivo de despertar consciências e estimular o debate.


1- A luta de libertação nacional: Do génio de Amílcar Cabral surge a vontade e a capacidade de luta. Um povo maioritariamente analfabeto pega em armas contra um regime mais forte mas que se encontrava do lado errado da história (pelo menos do nosso ponto de vista). No entanto, a luta começou muito cedo a demonstrar o espírito de malvadez e falta do dever moral de que falava Kant. O congresso de Cassacá tentou por ordem na selvajaria de uns quantos que utilizavam o partido para cometer actos do mais bárbaro que existia. Sol de pouco dura. Os camaradas continuaram a matar-se, a trair e a conspirar. Todos os pretextos eram válidos. De acusações de feitiçaria, tribalismos e da permanente "ameaça" da ala cabo-verdiana (Vide por exemplo Luís Cabral, Crónica da Libertação, O Jornal, 1984 ou José Vicente Lopes, Cabo Verde: Os Bastidores da Independência, Instituto Camões, Centro Cultural Português Praia/ Mindelo 1996) . Apesar do esforço de Cabral na tentativa de capacitação dos combatentes e dos meninos da escola piloto, a maldade intrínseca (?) acaba por vir à tona. Cabral é morto de forma bárbara. Queria falar dos problemas, discutir. Ele deveria saber que esses eram conceitos pouco compreendidos pelos abutres. Os autores morais permaneceram na penumbra e no medo da verdade de que falou há dias Ernesto Dabó. Com a morte da referência moral, o viveiro de ódios e malvadez foi dando cada vez mais frutos.

2- A independência: E chegou o 24 de Setembro de 1973. O povo decidiu proclamar de forma unilateral a sua independência. Um novo dia parecia nascer. Sol de pouca dura. Os camaradas entraram para a capital com a arrogância dos vencedores. Tinham pouco a aprender. Estátuas foram deitadas abaixo. Pessoas com experiência de administração na época colonial foram postas de parte ou “convidadas” a seguir para Portugal. O problema dos comandos africanos foi tratado de forma desastrosa. Pessoas com muitas limitações intelectuais proclamaram-se donos da verdade. O nível de vida começou a deteriorar a olhos vistos.

3- O 14 de Novembro: O chamado movimento reajustador. O fim do sonho de união Guiné/Cabo-Verde. Os cabo-verdianos agradeceram (Vide José Vicente Lopes, op. cit) . Nino Vieira fala das matanças do tempo do Luís Cabral. Ele que foi ministro da defesa e primeiro-ministro disse desconhecer tudo o que se passou. Houve quem tivesse acreditado. Muitas explicações foram dadas para o golpe de estado (Ler por exemplo Carlos Lopes, Para uma leitura sociológica da Guiné-Bissau, Edições ES,1988) . A cultura de "matchundadi" dava mais um passo. O diálogo como forma de resolução de problemas foi ficando para trás (Fernado Delfim da Silva fala disso em Guiné-Bissau: páginas de história política, rumos da democracia. Bissau, Firquidja editora, 2003). Nino vai-se tornando no senhor absoluto. O país e o seu povo continuam a empobrecer (Basta consultar os índices de desenvolvimento humano dos diferentes anos).

4- O programa de ajustamento estrutural: Muita tinta já foi escrita sobre a influência e os efeitos da entrada do FMI e do BM na Guiné-Bissau e do famigerado programa de ajustamento estrutural (António Isaac Monteiro (coord.), O Programa de Ajustamento Estrutural na Guiné-Bissau, Análise dos efeitos sócio-económicos). O país continua na sua caminhada firme em direcção à pobreza.

5- A abertura democrática e a carta dos 121: Entre pressões internas e externas num mundo pós muro de Berlim, lá chega a abertura democrática. No entanto, existe um momento importante de cisão no PAIGC. O conflito entre os falcões do regime e uma série de quadros. Momento de caça-às-bruxas dos que sentiam o mundo desaparecer à sua volta. Em pouco tempo, o partido perde imensa massa crítica e os falcões sorriem. Mininus ten ku kunsi se lugar!O país não interessava para as contas.

6- As eleições de 1994 e o Governo PAIGC: Chegam as eleições de 1994. Muitos esperam o pior a exemplo do resto de África. Nestas eleições assistimos ao nascimento de um novo "player" que marcará para sempre a política guineense- Kumba Yala que força, de forma inesperada para a grande maioria dos observadores, Nino Vieira a uma segunda volta renhida. O PAIGC vence de forma folgada as eleições legislativas, mas no entanto, entra em crise quando é preciso escolher um primeiro-ministro. Um grupo de "enfants terribles" força a nomeação de Manuel Saturnino Costa, a quem todos reconheciam a pouca competência e preparação para o cargo. Ouço falar dos preto nok a assaltarem o poder. A incompetência estava à vista de todos. Nino Vieira decide, passado algum tempo e uma série de convulsões, nomear Carlos Correia como primeiro-ministro.

7-7 de Junho de 1998: O início do fim. Guerra na minha cidade. Cenário dantesco de destruição e ausência de respeito pela vida. Lutas de egos, traições, infidelidades e lugares levam um povo ao martírio total. A selvajaria e ausência de respeito pela vida humana, entrou de forma definitiva no léxico nacional.

8- Eleições de 2000: Kumba Yalá e o PRS chegam ao poder. E o fim do estado da Guiné-Bissau vai-se consolidando a passos largos. Gente impreparada e desconhecedores da sua ignorância assaltam o poder e as suas instituições. Tudo passa a valer. Como disse alguém, a mata raptou a cidade. Os militares continuaram o seu ajuste de contas. Perdi a conta às mortes selváticas.

9-Um novo fenómeno: A Droga. Entrou de rompante. De repente os carros topo de gama tomaram conta das ruas esburacadas e mal iluminadas da cidade. Os senhores da droga passaram a ser os novos reis. E o país ficou refém de um poder oculto. Para sempre?

10-O regresso de Nino Vieira: Demonstrando que a memória do povo é curta, Nino Vieira regressa ao poder. Para mostrar que não tinha perdido o jeito, tratou rapidamente de demitir o governo eleito de então e empossa um governo de iniciativa presidencial com os enfant terribles do costume. O povo volta a escolher o PAIGC. No fim, a tragédia. O presidente e o Chefe militar são brutalmente assassinados. E o país continuou no seu dia-a-dia na maior "normalidade" até o dia 1 de Abril.


A.Casimiro
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1 comentários: on "Guiné-Bissau: O país que teima em fintar o futuro"

Anónimo disse...

Um excelente historial do País desde da luta de libertação nacional até aos nossos dias, demonstrando a incapacidade e a maldade como foi dito e bem dos abutres do poder dessa terra que um dia sonhou ser um exemplo no Mundo...

Ivangarcar

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